quinta-feira, 10 de julho de 2014

Mas o que é Steampunk?

também publicado em http://www.facebook.com/livrovapores

O Steampunk é uma variação do subgênero literário cyberpunk, que faz parte da punk lit, ou literatura punk. Seria bom se apenas isso fosse capaz de explicar esse grandioso gênero, que tanto tem a oferecer a diversas áreas, da arte à crítica política!
Espero não criar um texto grande e cansativo demais, mas resolvi tentar apresentar a enormidade do Steampunk.

Antes de mais nada, é preciso apresentar o que é o punk, onde tudo se origina. Punk é o nome de um movimento da contra-cultura, nascido na década de 1970, que pode ser definido como uma ideologia anti-institucional e anti-autoritarismo, visando a busca da liberdade individual, a ação direta do indivíduo sobre a sociedade, e o estímulo à sinceridade e lealdade. É um movimento que abraça o anti-nacionalismo e desencoraja todos os tipos de desigualdade e discriminação.
A cultura punk então influenciou diversas outras áreas com sua ideologia e com uma estética que a representasse. Ela está na música, na dança, na moda, na arte visual, no cinema... e na literatura.
Esta literatura punk trouxe toda a atitude e ideologia da cultura que já se definia com mais propriedade. Uma destas principais vertentes da literatura punk foi a ficção transgressiva, que focava em personagens que iniciavam a história sentindo-se presos, confinados numa prisão cultural de normas e expectativas, e então quebravam suas correntes de maneiras não usuais, ou mesmo ilícitas. Muitos taboos sociais foram discutidos através destas obras, como o sexo, as drogas, e mesmo a criminalidade, para citar apenas os temas mais amenos.
A outra grande vertente da literatura punk foi o cyberpunk. Este gênero pode também ser descrito como um subgênero da ficção científica, ambientado num futuro próximo porém de alta tecnologia. É comum no cyberpunk que os conflitos tenham seu foco colocado sobre o mundo da informática, os hackers ou a interação humana com a inteligência artificial. Há, ainda, os conflitos entre os indivíduos e as grandes corporações, traduzindo nesta metáfora a grande ideologia punk de libertação e luta contra a sociedade tal como a conhecemos. São obras que costumam apresentar a distopia pós-industrial da maneira mais crua possível, rasgando o véu que tenha esconder a crueldade do ser humano e da sociedade capitalista, tão como foi criada. Seus personagens são, normalmente, indivíduos marginalizados, vivendo nas bordas de uma sociedade que fechou os olhos para o impacto de uma evolução tecnológica que acontece veloz demais.
E o cyberpunk criou, então, suas derivações. A maior e mais conhecida delas é o Steampunk.
Steam significa Vapor, em inglês. O steampunk é uma versão do cyberpunk que explora não a ciência computadorizada, mas as tecnologias à vapor. O subgênero pode ser reconhecido por sua apresentação de tecnologias anacrônicas ou de um "futurismo-retrô", elevando a níveis fantásticos uma sociedade de caldeiras e carvão. O steampunk pode, ainda, incorporar traços de outros gêneros, como a fantasia, a ficção histórica ou o horror, fazendo dele quase um estilo livre de criação e ambientação. Dentre seus precursores podemos citar Jules Verne (Viagem ao Centro da Terra, Vinte Mil Léguas Submarinas), H. G. Wells (A Ilha do Dr. Moreau) e Mary Shelley (Frankenstein).
Como o próprio punk, o steampunk criou só redor de si uma cultura própria, com uma estilística artística muito particular, e com uma moda de vestiário bastante específica, com grande destaque para os acessórios, entre outros modos de expressão.
É normalmente ambientado na Inglaterra Vitoriana, berço da revolução industrial e sinônimo de revolução tecnológica à carvão, ou no velho-oeste norte americano, com suas icônicas linhas férreas.

Curiosamente, apesar do "punk" em seu nome, o steampunk nasceu menos crítico do que o cyberpunk, mais focado na tecnologia do que na sociedade ao redor dela. Houveram, sim, obras que exploraram este lado feio da sociedade, como "The Different Engine", "The Diamond Age" e "The Windup Girl", mas foram poucas, e este aspecto do gênero se perdeu ao longo do tempo. Talvez ofuscado pelo otimismo da Inglaterra Vitoriana, com sua sociedade rica e próspera, o steampunk acabou se deixando levar pela ostentação e ao invés de uma ideologia, trouxe com ele uma estética, por vezes até mesmo conservadora, por mais contraditório que isso possa parecer, fechando seus olhos para o pior que a história pode nos apresentar, como o trabalho escravo, o trabalho infantil, o caos urbano, doenças, etc.

Talvez seja neste ponto que a obra Vapores mais se destaca!

Eu busco de volta o punk, busco a distopia e a crítica social. Enquanto o cyberpunk nos permite levantar a questão "para onde estamos indo?", o steampunk permite, através da sua ficção especulativa, analisar a criação da atual cultura liberal capitalista a partir de uma perspectiva pós-colonialista, denunciando os males do imperialismo com uma caricatura super evoluída do nosso passado, e que, por isso, apresenta já os problemas que vemos no presente. "De onde viemos?" é a questão a responder, e se isso nos obriga a procurar nosso reflexo nas profundezas dos olhos da justiça, onde jazem os corpos de crianças exploradas, de homens escravizados, de mulheres abusadas, enfim, de uma sociedade que foi, e ainda é, vítima da própria ambição e crueldade, então que assim seja. O imperialismo espalhou, na forma da hegemonia cultural e econômica que é o capitalismo, a semente impura daqueles que mataram a história de muitos para escrever a sua própria por cima, em guerras de colonização e extermínio; que mataram aos seus próprios num bizarro conluio em que a acumulação não vê limites, a desigualdade se finge de meritocracia e alguns riem sobre a dor de muitos.

IMAGEM: William-Adolphe Bouguereau (1883) — Alma Parens (L'âme parentale / The Motherland)


Mas de onde vem tudo isso?

Essa pergunta (de onde vem tudo isso?) é recorrente, provavelmente não só na minha vida mas na de todo (aspirante a) escritor. Vivemos numa sociedade que não incentiva a criatividade, talvez por isso as atividades ligadas à criação causem essa quase estranheza. Mas serei bem específico hoje e direi de onde tudo isso veio.
Eu deveria, antes, explicar em outros dois textos o que é o RPG de mesa e o que é o steampunk, mas vou inverter a ordem dos tratores, já que este conhecimento não chega a ser indispensável ou fundamental para o bom entendimento do texto.

Bem, a ideia do livro nasceu de uma conversa com amigos. Eu joguei RPG de mesa com eles por muito tempo (e gostaria de voltar a jogar daqui um tempo, quando a vida permitir novamente), porém apenas eu parei, eles não. Enfim, conversávamos sobre o jogo e eles comentaram que gostariam de jogar uma campanha que conseguisse envolver, ao mesmo tempo, super-heróis e histórias de terror. Não me lembro como o steampunk entrou na conversa, o fato é que este gênero muito comumente utiliza a Europa, principalmente a Inglaterra (e mais especificamente a Londres Vitoriana) como pano de fundo, o que também acontece bastante com vários contos de terror (por causa daquele clima misterioso a la Sherlock Holmes e Jack, o estripador). Na época eu estava trabalhando na Lapa, à noite, entre antigas construções ferroviárias, e toda aquela arquitetura antiga me inspirou. Na mesma noite nascia o primeiro conto sobre o cenário, que serviu de inspiração para o grupo. Depois disso várias ideias foram discutidas, modificações foram feitas, e o cenário tomou forma. Outros contos foram surgindo, exemplificando alguns aspectos do cenário, e por fim os jogadores começaram a criar seus personagens.
Infelizmente esta campanha nunca foi jogada, mas a ideia e os personagens ficaram tão fortes, tão densos em minha mente, que não os poderia deixar morrer.
Fica aqui meu agradecimento a todos os Cronistas de Terras Fantásticas, que me acompanham a muitos anos, alguns por toda uma vida, e que me ajudaram no início desta empreitada, mesmo que não soubéssemos onde isso chegaria. Agora apenas espero alcançar suas expectativas.




sexta-feira, 4 de julho de 2014

Uma estimulante realidade

Antes de qualquer outra coisa, gostaria de agradecer a todos que estão curtindo a página do facebook, comentando, compartilhando, convidando amigos. Tudo o que eu posto aqui está lá também. Eu não esperava um resultado como o que vi, muito menos no curto espaço de tempo em que aconteceu. Realmente fiquei muito feliz e peço que continuem divulgando.
Entrando no assunto que queria trazer hoje, estou muito curioso, a longo prazo, no resultado dessa intrigante experiência que é escrever uma obra tendo a possibilidade de dialogar com meus (espero) futuros leitores. Saber que todas as dúvidas, indagações e opiniões de todos vocês estão ao alcance de um texto no facebook ou num blog é quase sedutor, pois ao mesmo tempo em que desejo apresentar-lhes minha concepção de arte escrita tenho aquela ansiedade tão humana de conhecer as vontades e impressões de todos vocês. E é um pouco desta ansiedade que pretendo deixar transparecer hoje.
Tenho preparado um texto que caminha na tênue linha entre o narrador onipresente e o ponto de vista ativo e específico dos personagens, com suas personalidades e opiniões, e para tanto o texto está sendo escrito sem demarcação de falas dos personagens, deixando uma incógnita narrativa que não especifica se o personagem teve realmente voz ativa no texto ou se foi interpretado pelo narrador. Colocando aqui o início do quarto capítulo do livro, pergunto apenas o seguinte: está confuso, tornando a leitura cansativa, ou consegui encontrar o ponto em que a estilística literária em nada atrapalha o prazer do leitor?
Segue o trecho do livro:

"Ora, Kenwood, você é realmente incorrigível! Dizia Arthur Coyle a seu estimado amigo. Thatcher, que escutara toda a história sobre o infeliz garoto dos jornais, sentiu a indignação a lhe ferver o sangue. Era, porém, por demais racional para abandonar os bons modos. Afinal, jamais poderia julgar alguém se não fosse capaz, antes, de censurar a si mesmo e aos próprios instintos. Com o seu melhor sorriso e um cálice de bom vinho português na mão, se atirou à conversa com a descontração que apenas alguém crescido em tal meio poderia ter. Kenwood, você se vangloria pelo que fez ao garoto, mas nunca o vi vangloriar-se por fazer algo "por" alguém e não "para" alguém. O homem pareceu ficar sem palavras por um instante, e então desatou a rir! E por quê eu faria algo por alguém, garoto? Quem, algum dia, fez algo por mim?"

IMAGEM: aquarela de John Parry, A London street scene (1835)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Bem vindos!

Bem vindos à pagina destinada ao livro Vapores, de S.R.Linguite. Enquanto preparo o livro, tenho me deparado com um vasto e muito interessante conteúdo de pesquisa, então, enquanto o livro não sai, trarei contos e descrição do cenário, além de informações interessantes sobre lugares, pessoas, e obras que retratam esta era de grandes mudanças que é, afinal, a origem da sociedade como a conhecemos!
Para a inauguração, deixo aqui a sinopse do livro. Espero que gostem!

1889, apogeu da Era Vitoriana.
A tecnologia a carvão evoluiu tanto que as outras tecnologias de geração de energia, como a eletricidade, foram deixadas de lado. Química, física e biologia se reunificaram numa velha nova ciência, a alquimia, que tem como foco o aprimoramento humano através de "poções", conhecidas como vacinas, que são preparos radioativos capazes de, por um curto espaço de tempo, aumentar o potencial ou reduzir as limitações humanas - claro, por um certo preço; o risco de doenças físicas e mentais.
O liberalismo veio como uma forma de enfrentamento aos excessos da monarquia, prometendo uma sociedade melhor, mas o que se vê é que o egoísmo humano não se prende à classes sociais, e os burgueses, em sua busca por lucros, têm destroçado a sociedade tão quanto - ou talvez mais - do que o faziam os monarcas.
A cidade cresceu, se expandiu às custas do sofrimento dos pobres. Claro que, em meio a tamanha desigualdade, a criminalidade é um problema de proporções inimagináveis.
É nesse meio que aparece o iniciante detetive Walter D. Thatcher, um brilhante paladino da justiça. Nascido em família rica, ele não vê no monstro da pobreza motivo para o crime e defende a justiça da meritocracia e o direito inalienável da propriedade privada com todas as forças. É um liberal convicto que luta pela manutenção e limpeza da sociedade.
Mas tudo muda quando, durante um caso, ele sofre um acidente com algumas vacinas. As mudanças físicas provocadas pelo acidente, somadas ao vício provocado pela vacina, o levam forçosamente a conhecer a realidade por um novo ponto de vista. A partir deste ponto ele conhecerá a pobreza de perto, terá seus valores liberais e eugenistas questionados e conhecerá um monstro muito maior do que a criminalidade que ele enfrentava: ele descobrirá onde essa criminalidade é gerada. Durante esta incursão ao submundo acabará se juntando a um grupo de pessoas que já havia considerado suas inimigas, enfrentando uma mega corporação e o grupo que a controla.

IMAGEM: Paul Martin, A magazine seller at Ludgate Circus (1893)